A primeira experiência com voluntariado: Workaway na Rússia

Tenho que ser sincero nesse texto. Procurei o Workaway por um motivo prático: queria economizar qualquer centavo enquanto viajava. Sincero e prático assim.

Se você não sabe o que é Workaway, escrevi um texto sobre ele que você pode ver resumidamente aqui.

Estava na Austrália e tinha acabado de ser selecionado na loteria da FIFA para um jogo do Brasil. Apesar dos poucos dólares que esse ingresso custava, o meu pensamento era em continuar economizando, mesmo sabendo que a Rússia não era um país dos mais caros.

Entrei na minha conta do Workaway e procurei anfitriões em São Petersburgo. Local do jogo entre Brasil x Costa Rica. Encontrei 3 ou quatro anfitriões que me pareceram bem legais. Mas apenas uma me respondeu. Seu nome era Irina e ela já tinha algumas boas recomendações no site. Uma delas, inclusiva, era de uma senhora australiana e como eu estava na Austrália, decidi contatá-la para ter certeza de que estava dando o tiro certo. Ela me respondeu eu em poucos dias dizendo que tinha vivido uma ótima experiência com Irina. Alguns dias depois a russa me respondeu confirmando que eu poderia ficar em sua casa do dia 10 ao 26 de junho. Tudo aparentemente certo.

Porém, quando estava no aeroporto de Gold Coast (Australia) indo a caminho das Filipinas eu recebi uma mensagem de Irina que me deixou um pouco incerto. Ela dizia que seria um complicado me receber. O motivo era que a casa estava cheia de gente. Fiquei um pouco confuso e também um pouco irritado. Se ela sabia que a casa estava com pessoas demais, porque ela me aprovou e disse que poderia ficar com ela? Não fazia sentido.

Ela deu uma possível solução: uma de suas amigas queria me receber pelo mesmo período de tempo. Nesse momento duas coisas vieram à minha cabeça: a primeira era que a amiga dela não sabia falar inglês, se não ela própria teria me contatado e conversado um pouco comigo. E a segunda era que eu teria de ir a uma casa que não estava no meu roteiro, onde uma pessoas sem nenhuma referência iria me receber. Eu fiquei um pouco inseguro. Sobretudo porque muita gente tinha me dito que a Rússia poderia ser um pouco perigosa.

Decidi dizer para ela que não aceitava a oferta. Afinal, não era isso que estava acordado. Se posso te dar uma dica sobre o o Workaway ou qualquer outro site de voluntariado, meu conselho é: imponha seus quereres. Deixe claro o dia que você quer chegar, o seus interesses, limites etc. Isso evita qualquer desentendimento e também que você chegue no lugar já um pouco contrariado. No meu caso, imaginei que quando chegasse a Rússia, ela iria me propor mais uma vez para que eu me mudasse, mas seria mais fácil decidir uma vez que eu já estivesse por lá. Ficou dito que eu chegaria em sua casa, como combinado inicialmente.

A chegada no novo país

Quando cheguei no aeroporto eu já tinha as coordenadas de sua casa e para lá segui. Cheguei de transporte público e outra voluntária estava esperando por mim na estação mais próxima do lugar que eu ficaria pelos próximos dias. Outra dica importante aqui: tente insistir para que alguém vá te buscar em alguma estação, aeroporto, rodoviária ou onde quer que esteja. Se o país não for dos mais seguros, pode ser que você chegue sozinha, com uma mala grande e pesada, muitas vezes sem falar a língua (meu russo era tipo meu chinês: não entendia nem os desenhos e só aprendi a falar obrigado no aeroporto) e ainda cansada da viagem. Eu estava desse jeito, mas pelo menos alguém foi me pegar na estação.

Cheguei na casa de Irina e ela já estava dormindo. Tive tempo de conversar um pouquinho com a voluntária, que era colombiana, comer algo e dormir em uma cama improvisada que haviam separado para mim. No dia seguinte, falaria com a minha anfitriã.

Na outra manhã, acordei cedo e ela também já estava de pé. Não foi muito simpática e nem me falou muito sobre as regras da casa, o que me fez entender que eu realmente não ficaria ali, ao não ser que insistisse. Mas devido ao que havia visto, estava disposto a mudar também. A casa não havia me agradado muito e não acho que seria confortável para mim, nem para quem morasse ali que eu ficasse. Ainda mais que a sensação de estar em um lugar que não te querem tanto assim é bem desagradável.

meu primeiro quarto

Meu primeiro quarto, na casa de Irina

Depois do café da manhã ela me chamou para ir a um mercado de bugigangas com ela e como adoro essas coisas, fui. Nesse momento ela tocou no assunto da casa de sua amiga. Eu topei. Achei que poderia ser mais confortável para mim e pensei também no desafio: moraria com uma família de 4 pessoas em que nenhuma delas falava inglês direito. Iria aprender muito sobre a cultura russa na prática mesmo. Aceitei e logo no fim daquela tarde eu já deveria me mudar.

Um resumo do que estava acontecendo comigo até então:

Eu havia aplicado para um trabalho voluntário na Russia.

Fui aceito.

Meses antes de chegar,  fui perguntado se poderia trocar de casa. Não quis na hora, pois queria chegar na casa de alguém que tivesse uma mínima confiança.

Por falta de organização da minha anfitriã, que não calculou bem o número de pessoas que ficariam em sua casa, eu fui convidado a mudar. Topei, por opção minha, depois de pensar e acreditar que seria melhor para mim.

Lá estava eu, saindo da casa que eu acreditaria que iria ficar por 15 dias e seguindo para outra que jamais havia ouvido falar. 

Irina não me ajudou a chegar na nova casa. Só me deu as coordenadas para ir de transporte público. Teria de pegar um trem e depois um ônibus.

Mais duas dicas aqui:

  1. Não espere muito do seu anfitrião gringo. Eles não são tão prestativos como os brasileiros e ajudar pode nem passar pela cabeça deles. Além disso, talvez sejam muito ocupados e realmente nem possam dar aquela força. Então planeje tudo perfeitamente antes e agradeça qualquer ajuda que venha.
  2. Mais uma vez, imponha seus quereres. Se eu quisesse, poderia ter respondido para Irina que iria direto para a outra casa. Mas bati o pé e esperei ter mais informações para decidir. Quem viaja sozinho precisa ter algumas certezas.

Outra dica importante se você vai morar um pouquinho em outro país é: compre um plano de celular com internet. E vou explicar o motivo.

Quando saí da casa de Irina, rumo a casa de Anna, minha nova anfitriã eu estava apenas seguindo as coordenadas que tinha no celular. E o bendito mapa que eu tinha offline travou. Não funcionou nem comigo xingando ele em russo. Eu só sabia o nome e o número do ônibus, mas problema é que o alfabeto russo é complicadíssimo e confunde muito. Em um determinado momento, quando estava perto do destino final, eu comecei a procurar pelo último ônibus que deveria tomar. Ele iria me levar por uma avenida longa e a minha parada era a quarta. Porém, quando cheguei nessa avenida eu não estava seguro sobre qual rumo tomar. Poderia estar indo para o sentido oposto ou para o certo. Mas como já era noite, eu não quis arriscar.

Procurei ajuda, mas na Rússia ninguém fala inglês e quase ninguém conseguiu entender o que eu estava falando. Nem mesmo os meus anos de mímica serviram de nada.

Foi depois de algumas tentativas que eu encontrei um anjo no meu caminho. Cheguei para um menino e mostrei o número do ônibus no meu celular. Ele não falava quase nada de inglês, mas entendeu o que eu queria. As poucas palavras que ele conseguiu soltar foram: “ok. have free time. help you”. Seu nome era Elyar e ele era do Quirguistão. Ele não só me mostrou o ônibus certo, como entrou comigo dentro dele, me pagou a passagem, mesmo contra a minha vontade, e ainda ligou para Anna quando nós chegamos ao seu apartamento. Sem ele, eu não teria conseguido, pois o prédio ficava bem escondido e a entrada, mais ainda. Além disso, a parada que eu deveria desembarcar não era a quarta coisa nenhuma.

É nessas horas que você tem certeza de que o mundo está mais cheio de pessoas boas do que de ruins. Mas por algum motivo, costumamos lembrar mais das ruins que cruzam nosso caminho. Eu estava meio perdido e com um pouco de medo. Elyar estava indo para outro lado, mas mudou seus planos para me ajudar. Senti uma gratidão imensa por ele e acabei dando a caixa de Ferrero Rocher que havia comprado para Anna inteira para meu novo parceiro. Ele era bom demais para aceitar, mas eu insisti e ele acabou pegando.

E assim, finalmente cheguei no que seria minha casa pelos próximos dias.

O começo na nova casa

Me despedi de Elyar e segui para o apartamento. Poucas palavras com Anna, pois ela falava nada de inglês. Vi que meu melhor amigo nesses dias seria o tradutor.

Quando cheguei, vivi um dos momentos mais bonitos de toda a viagem. Entrei no apartamento e Anna falou alguma coisa em russo enquanto eu, de cabeça baixa, desamarrava meu tênis. Quando levantei o olhar, as três crianças da casa estavam perfiladas, sorrindo, meio tímidas e olhando para mim. Com as mãozinhas para trás e as bochechas bem vermelhas, elas disseram “hello!”.

Foi o recebimento mais legal que eu já tive e eu nem sei dizer o tamanho do sorriso que tomou meu rosto.

 

Jantei com eles, uma sopa muito boa. As sopas russas são ótimas. Enquanto isso, as crianças tentavam falar em inglês comigo e o que não sabiam falar, escreviam no tradutor. Foi uma conversa com perguntas do tipo: “qual é o seu animal favorito?”.

O que ficou acordado nesse dia era que o meu trabalho era muito simples: levar o menino mais velho – seu nome era Sasha – à natação duas ou três vezes por semana e depois de uma hora e meia buscá-lo. O resto do tempo, teria todo para mim e poderia fazer o que quisesse. Fácil desse jeito.

O que ficou claro para mim era que Anna, só queria dar uma experiência diferente aos seus filhos. Mostrar a eles que existem pessoas de outros países, que falam idiomas diferentes, têm origens diferentes e hábitos também distintos. O mais importante ali era a interação entre nós.

O dia a dia de trampo e a vida de turista

O complexo em que morava era um pouco longe do centro. Cerca de quarenta minutos de transporte público. Era um complexo de prédios baixos, residenciais e que foram construídos por alemães que haviam sido capturados depois da segunda guerra mundial. São Petersburgo, antiga Leningrado, foi uma cidade ocupada pelos exército alemão por cerca de 5 anos e após a vitória russa no território, muitos nazistas foram mantidos como escravos . Eles construíram estes condomínios que estão por toda a cidade e se parecem muito entre si, já que não haviam muita preocupação com esse tipo de beleza arquitetônica para a Rússia comunista.

O condomínio que se parece com todos os outros e suas portas pesadas 

 

Dentro destes complexos existem parques, quadras de futebol, playgrounds para crianças, pré-escolas, clubes de natação, mercados e muito mais. Era nesses espaços que eu saia para brincar com os meninos. Eu estava longe de ser a babá, mas como quis aproveitar aquela experiência russa, saí muito com eles para brincar ou bater uma bola na quadra. É claro que nada disso estava combinado ou fazia parte das minhas obrigações como voluntário, mas eu decidi fazê-lo para viver a experiência e não me arrependo nem por um minuto.

Quando não estava com eles, eu ia para a Fan Fest, já que a Copa do Mundo estava rolando. Ficava o dia inteiro por ali ou também aproveitava para descobrir o centro da cidade e os museus. O bom do Workaway é que você não gasta nada com acomodação e nem com comida, então sobrava dinheiro para visitar museus, igrejas e para provar as cervejas diferentes que haviam pela Rússia. Essa era a minha vida durante os dias que fiquei por lá. Acordar>café da manhã em casa>pegar o primeiro busão para o centro e lá decidir se iria assistir a um jogo da Copa do Mundo ou se iria turistar pela cidade. À noite, voltava para casa, jantava e dormia. Os únicos períodos trabalhados eram às poucas horas em que levava e buscava Sasha na natação. Que no total dava 9 horas de trampo por semana.

FOTOS DA CIDADE DE SÃO PETERSBURGO

Os russos são um capítulo a parte desse relato. Não acredite em nada negativo que você possa ouvir sobre eles. Na verdade, se há algo que eu aprendi viajando é que não devemos acreditar em nada negativo sobre nenhuma nação. Isso só alimenta preconceitos. Como falei lá em cima, o mundo está cheio de pessoas boas, então não foque nas ruins.

Os que convivi eram extremamente gentis e prestativos. Um deles, que se tornou um parceiro de viagens foi Mike. Sobrinho da minha anfitriã, Anna. Ele também não morava em São Petersburgo, então nós descobrimos alguns pontos da cidade juntos. Quando nos encontrávamos, ele vinha com uma lista de lugares para conhecer e já havia pesquisado sobre todos eles para me dizer um pouco do passado de cada um. Como eu amo história, estava feliz demais por aquele guia improvisado que havia encontrado.

Também fiz amizade com alguns russos que conheci jogando jogando bola – se eles são amigáveis no geral, no futebol eles podem ser meio violentos, haja canela – e um deles me convidou a acompanhá-lo na Fan Fest para a estreia da Copa do Mundo. Rússia x Arábia Saudita. Seu nome era Igor e ele era outro mano parceiro. No dia em que nos encontramos, ele me deu uma bandeira da Rússia e disse: “Você é muito bem-vindo aqui, meu amigo!”.

Igor

Igor, meu brat que é mais do que bem-vindo no Brasil!

 

A Rússia me surpreendeu demais. São Petersburgo está entre as cidades mais lindas que já conheci. O Rio Neva, que corta a cidade é imenso e suas pontes são móveis, então durante a noite elas se levantam para que navios possam trafegar. Muitas pessoas ficam até tarde na beira do rio para ver a ponte se levantar e é realmente um espetáculo bonito. Quando você anda pela cidade e se depara com uma ponte levantada em sua frente é uma sensação meio estranha, de mudança de perspectiva, é como se estivesse dentro do filme “A Origem”.

Além da ponte e do rio, as igrejas valem demais visita. Muito perto da Fan Fest há uma igreja ortodoxa chamada Sangue Derramado. Sem dúvida um dos templos mais lindos que eu já vi e que me surpreendeu por suas paredes cheias de mosaicos imensos e perfeitamente elaborados. A igreja é uma homenagem ao Czar Alexander II que foi assassinado por um membro da oposição enquanto caminhava pela beira do rio. Na verdade, a igreja foi construída ao redor do exato lugar em que ele faleceu. Dentro da igreja, está mantido um cercado com o mesmo pavimento em que ele caíra pela última vez, em 1881. A arquitetura interna e externa são maravilhosas. Você pode ver um post sobre essa Igreja na minha página do Instagram clicando aqui.

sangue derramado 3

 

Mosaico interno da Igreja e um típico portão ortodoxo

 

Não deixe também de visitar o parque de Peterhof, um jardim de inverno dos Czares Russos. É possível ir de ônibus, carro ou de barco pelo rio Neva, que sem dúvida é o passeio mais legal a se fazer. Demora cerca de 50 minutos e é incrível. Um parque cheio de fontes, jardins e que está na beira do mar báltico.

Peterhof 1

peterhof fonte principal vista de frente
As fontes incríveis do Peterhof. Era fonte demais pra espaço de menos nesse blog

 

Vocês já devem ter entendido que eu sou um grande amante do Workaway, certo? É uma plataforma incrível, pois as poucas horas que você trabalha te dão um grande retorno, seja na economia ou na experiência! Você pode simplesmente trocar umas horinhas de sono que você teria, por 2 ou 3 de trabalho suave que irão te fazer bem feliz lá na frente. As cinco horas de trampo você nem vê passar. E o resto do dia é todo seu.

Se cuidar de crianças não é muito sua praia, fique ligado por aqui. O próximo texto que irei postar será sobre a minha experiência em um hostel na Suécia. Onde voluntariei por 8 dias. Lá os trampos eram bem diferentes, mas bem legais também.

Faça algo por você se quer mesmo viajar com pouca grana: entre na página do Workaway e veja as milhares de opções de trampo que existem por lá. Te desafio a não achar alguma que goste.

Comecei esse texto dizendo que o motivo de ter procurado trampos voluntários foi mesmo a economia. Mas definitivamente não foi só isso que tirei de vantagem. Conheci pessoas sensacionais, uma cultura incrivelmente rica na Rússia e ainda me diverti durante a Copa do Mundo. Me surpreendi com o trampo voluntário e espero que você se surpreenda também 🙂 Boa sorte.

 

E-mail: gabrielsenaha@uol.com.br

Instagram: gabriel_moreno11

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